Tempoesia
É tempo de poesia. Aqui você encontrará reflexões sobre meu trabalho com educação de jovens e adultos, fragmentos interessantes de livros, poesia e indicação de leituras e filmes. Enfim, tudo que passou por mim, e pude perceber, ainda que muitas vezes não com a força de todos os sentidos, mas distraidamente, que tem poesia!
DEMAIS PARA NÓS
MAS SEI QUE NADA DO QUE VIVEMOS
TEM SENTIDO
SE NÃO TOCARMOS
O CORAÇÃO DAS PESSOAS.
Cora Coralina
CAMÉLIA DA LIBERDADE
Os alunos da EMEJA Clarice Lispector
estão participando do
concurso de redação
CAMÉLIA DA LIBERDADE.
Para saber mais acesse o site
concursocamelia.portalceap.org.br
PARABÉNS ANA SOUSA PELO PRIMEIRO LUGAR NO CONCURSO CAMÉLIA DA LIBERDADE!
LINDA MENSAGEM
Hoje, eu queria ser como o Cosmos. Infinito, obscuro, inimaginável... queria estar assim. Sem limites, sem fim, sem preocupações, sem depois...
Eu queria ser como o Infinito. Sem pressa, sem pouso, sem parada... sem sentidos...
Sem dor, sem mágoa, sem lágrima... só imensidão, só vazio, vazio que nenhuma mente humana ousasse imaginar a sua imensidão...
Mas eu sou um ser humano, estou viva, com sentimentos, dores, imaginações, limites, lágrimas... um ser humano que se preocupa, que tem pressa, que se limita em apenas ser um ser humano.
Um ser humano que tem sentimentos bons e ruins, que às vezes falha, que falta a um amigo... um simples e apenas, um ser humano.
ANA SOUSA (Aluna do Clarice Lispector)
A INVENÇÃO DE HUGO CABRET
NÉLIA, tudo começou bem antes de nós... fez-se o silêncio e só escutei a sua voz.
MINHA PÁTRIA É A LÍNGUA PORTUGUESA
PROFESSOR
FLIP
TEXTO LIDO POR VALTER HUGO MÃE NA FLIP (2011)
“Quando eu tinha 8 anos veio morar para a casa ao lado da dos meus pais um casal de brasileiros com duas filhas moças. Ao chegar, o casal ofereceu uma ambulância ao quartel de bombeiros da nossa vila e toda a vila se emocionou. Foram os primeiros brasileiros que eu vi fora da tv, fora das novelas. Eu e os meus amigos fomos ao quartel dos bombeiros apreciar a ambulância nova, bem pintada, que se mostrava a todos como prova bonita da bondade de alguém. O meu pai tinha um carro pequeno, velho, difícil de levar a família inteira dentro. A ambulância era enorme, um luxo, como se fosse para transportar doentes felizes. Eu e os meus amigos ficamos estupefactamente felizes.
Depois, algumas mulheres e alguns homens mais delicados reuniam-se diante da senhora e das moças brasileiras e faziam perguntas sobre as novelas. Naquele tempo, passavam com muito atraso em relação ao Brasil, e todos queriam saber avidamente quem casava com quem na Gabriela.
A senhora e as suas duas filhas, porque sabiam o que ia acontecer nas novelas, eram aos olhos de todos como adivinhas, gente que via coisas do futuro, gente que viveu o futuro e que se juntou a nós para reviver o passado. Por causa disto, eram mágicas e as pessoas queriam a opinião delas para cada decisão.
A minha mãe pediu à nova vizinha a receita para fazer pizza, porque ainda não havia pizzarias e só víamos nas revistas como deviam ser bonitos e saborosos aqueles círculos de pão e queijo coloridos pousados nas mesas. Passámos a comer uma pizza de atum com muitas azeitonas pretas. Ainda hoje peço nos restaurantes pizza de atum com a esperança de que seja exactamente igual à da minha infância, mas nunca é.
As moças brasileiras eram mais velhas do que eu e ficaram amigas das minhas irmãs. As minhas irmãs saíam com elas à rua inchadas de orgulho, porque as pessoas todas, sempre comovidas com a ambulância, fazia vénia e sorriam. Havia gente que dizia que as moças brasileiras eram as mais belas de todas. Elas eram, na verdade, sorridentes, e eu senti que também seriam muito felizes na nossa pequena vila.
Um dia a minha imã mais velha fez anos e foi festejá-los com uma festa na garagem das brasileiras. Na noite desse dia, ali pelas oito horas, uma outra menina, filha de um vizinho português, mostrou-me tudo. Não foi a primeira vez, mas eu queria sempre ver, embora ela não quisesse sempre mostrar. Um amigo meu surpreendeu-nos e quis ver também, mas a menina respondeu que não. Ela disse que mostrava apenas a mim porque eu era amigo das brasileiras. Entendi que as brasileiras eram como um toque de Midas que me transformava num menino de ouro.
Aos dezoito, aquele que é o meu amigo mais irmão chegou do Brasil e ingressou na minha escola. Eu instintivamente corri atrás dele. Queria ser amigo dele como se fosse vital para mim. Ele mostrou-me Titãs e Legião Urbana. Eu achava que o Renato Russo ia salvar a minha vida com aquela canção do Tempo perdido. Quando o Renato Russo morreu, chorei muito e passei só a chorar quando ouço o Tempo perdido. Eu não sei se a arte nos deve salvar, mas tenho a certeza de que pode conduzir ao melhor que há em nós, para que não nos desperdicemos na vida.
O Alexandre, esse meu amigo brasileiro, mudou tudo em mim para melhor. Adorava viajar de comboio com ele quando entalávamos as meias mal cheirosas nas janelas para que arejassem durante a marcha. Nesse tempo, o Alexandre ensinou-me a perder aquela vergonha que só atrapalha. Porque os portugueses sempre foram meio envergonhados.
Hoje, temos quase quarenta anos, ele casou com uma portuguesa e tem filhos. Eu, não. Fiquei para tio a escrever romances, e os romances tornaram-se fundamentais na minha vida, como a máquina de fazer espanhóis. Sonhei sempre em vir ao Brasil e vim várias vezes, faltava vir como escritor, publicado e recebido. Pois aqui estou, a Flip fez isso, não esquecerei nunca, sinto que fazem de mim um homem de ouro, agradeço a todos muito por isso.”
MENSAGEM PARA OS MEUS ALUNOS
Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite provável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar este mundo, cravar este chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu
Delirar e morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão
(Joe Darion e Mitch Leigh / versão em português de Chico Buarque e Ruy Guerra)
DO TEXTO AO CONTEXTO
ORGULHO / Cida Meira
Se a voz não quer sair
Cavo lembranças doces da infância amarga
Não de uma amargura sem sonhos,
Mas de uma amargura sem orgulho.
Não triste,
Mas de uma amargura cabisbaixa.
De seu nome sussurrado.
(Suas ilustres vizinhas poderiam escutar).
Seu nome indígena tem história.
Você é orgulhosa, tem até nome de barão.
Construída por muitas mãos.
Eu e que não me sinto à vontade.
Meus ancestrais foram passando aqui e acolá,
Tendo filhos...
Nasci aqui. (Tanto lugar no mundo).
O Macuco, a olaria, o tancão, a horta do japonês, o asilo,
Depois o Ezilda.
E tudo foi mudando,
Crescendo,
Desconhecendo-se.
Também sou durona como você.
Vou conquistando um lugarzinho.(Tem lugar pra todo mundo).
E não é que estamos fazendo história!
Também damos a nossa contribuição.
Amor-próprio é coisa que se demora a conquistar.
Busco nos livros, nos álbuns, nas lembranças,
Nas conversas com os que já foram,
Um tiquinho que seja:
Da minha / da nossa presença.
E acho, Mauá.
Nem só as imensidades são importantes.
Aprenda, Mauá.
Comemos muitas frutas amargas,
Colhidas no mato passado.
Plantamos algumas sementes
Que já estão nascendo.
Orgulhosas.
1997
LÍNGUA PORTUGUESA / PRODUÇÃO DE TEXTOS GÊNERO - MEMÓRIAS
e sim a que a gente recorda,
e como recorda para contá-la." (Gabriel Garcia Marquez. Viver para contar)
As memórias recuperam uma época com base em lembranças pessoais. Despertam, no leitor, emoções por meio da beleza e da profundidade palavra.
Objetos e fotografias recuperam a história de um tempo passado, de um momento marcante. Conversar com os idosos também é uma ótima oportunidade para enriquecer e reacender as nossas memórias adormecidas.
As memórias podem falar sobre vários aspectos: o modo de vida das pessoas, como era a escola, as brincadeiras da infância, a transformação da cidade ou do lugar, as festividades, os episódios pitorescos ou os acontecimentos marcantes.
Trazer à lembrança sensações, impressões e informações captadas pelos nossos sentidos: cheiros, sabores, formas, cores, texturas, sons.
A descrição pode ser utilizada como recurso para envolver o leitor e aproximá-lo ainda mais da experiência trazida pelo autor do texto.
A ponte
"A vida só é possível reinventada." Parece que o verso de Cecília Meireles é a epígrafe da minha vida. Nasci numa casa em que a dose excessiva de melancolia de minha mãe e o abuso de autoridade paterna sufocavam os mais jovens. Mesmo a autoridade silenciosa como a de meu pai. A rotina de opressão e melancolia só era interrompida quando minhas duas amigas e eu íamos brincar no milharal com bonecas de sabugo ou no quintal de sua casa sob os pés das amoreiras. Brincávamos horas sob o sol da tarde, numa fuga constante da realidade. Meu pai não era ruim nem violento. Apenas o álcool turvava o seu caráter. Ou, quem sabe, revelava-lhe. Sentia uma angústia ao vê-lo derrotado pelo inimigo. Trago lembranças de minha mãe lavando roupas. Trouxas intermináveis de roupas a serem lavadas, estendidas, recolhidas, passadas, usadas e novamente lavadas, estendidas, recolhidas,usadas,passadas. No entanto era no sol, junto ao milharal que criávamos um mundo à parte. Um mundo alegre, incrível, com todas as possibilidades. O pai de minhas amigas era um homem autoritário e violento. Mas, ainda assim, as invejava. Naquela época não distinguia bem as coisas. Não reconhecia a bondade rústica de meu pai. Admirava aquele homem forte, alto, de farda (em oposição à figura frágil de meu pai), que comia sozinho à mesa. As filhas e a mãe comiam num quarto junto à cozinha, longe dos olhos do pai. A esposa sempre que podia poupava aborrecimentos ao marido. Mas naquele dia não foi possível.
A casa de minhas amigas ficava defronte a minha. O terreno era grande, em dois níveis. A casa ficava numa parte baixa e o quintal se estendia numa parte bem alta do terreno que fora cortado, formando um muro de quase sete metros de altura. O acesso para esta parte do quintal era pela lateral da casa. Brincávamos, distraídas, não percebemos que estávamos bem na ponte desta muralha. Minha amiga mais nova, sem que esperássemos, perdeu o equilíbrio e caiu na parte mais baixa do quintal, desmaiando. Nós duas olhávamos, apavoradas, a menina estendida no chão. Foram gritos e lágrimas. A mãe correu para socorrer a filha. O pai que estava de folga neste dia gritou para que descêssemos. Enquanto espancava a filha mais velha, olhou para mim furioso e vociferou para que sumisse dali. Corri, assustada, para casa sem saber o que acontecera a minha amiga que caíra e a que apanhara sem motivo. Durante alguns dias fiquei sem saber notícias delas. Também não apareceram mais na escola. Depois soube que iriam se mudar para o interior. No período em que estivemos afastadas, comecei a ensaiar uma peça teatral na escola onde tive uma pequena participação. A peça se chamava "Planeta dos Palhaços". No dia da estreia, vieram me avisar que elas iriam partir e queriam se despedir. Não pude ir. A peça ia começar. Meu pai morreu num acidente de trabalho numa madrugada fria se me falar de seus sonhos. Nem tive tempo de conhecê-lo direito. O pai delas morreu num acidente de carro, na cidade escolhida por ele por achar que seria um bom lugar para criar as filhas. Uma ponte, construída pelas crianças, liga a minha casa à casa de minhas amigas. Desta forma dávamos existência a um mundo paralelo. Única forma de manter a sanidade. Longe do mundo dos adultos, e suas perseguições, angústias e medos. Apenas nós conseguíamos cruzá-la. A final dela havia castelos, espaçonaves, florestas encantadas, muitos brinquedos inventados. Numa manhã dolorosa, acordei e corri para a ponte. Havia sido destruída. A vida é tecida por linhas tênues, frágeis. A vida é inesperada.
Cida Meira
Às vezes pergunto-me se certas recordações são realmente minhas, se não serão mais do que lembranças alheias de episódios de que eu tivesse sido actor inconsciente e dos quais só mais tarde vim a ter conhecimento por me terem sido narrados por pessoas que neles houvessem estado presentes, se é que não falariam, também elas, por terem ouvido contar a outras pessoas. (José Saramago - Pequenas memórias)
A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta. Ignoro onde o vi, quando o vi, e se uma parte do caso remoto não desaguasse noutro posterior, julgá-lo-ia sonho. Talvez nem recorde bem do vaso: é possível que a imagem, brilhante e esguia, permaneça por eu a ter comunicado a pessoas que a confirmaram. (Graciliano Ramos - Infância)
Casa de Cora Coralina / Goiás
MEMÓRIAS
Quando eu era menina
bem pequena,
em nossa casa,
certos dias da semana
se fazia um bolo,
assado na panela
com um testo de borralho em cima.
Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)
Eu era menina em crescimento.
Gulosa,
Abria os olhos para aquele bolo
que me parecia tão bom
e tão gostoso.
A gente mandona lá de casa
cortava aquele bolo
com importância.
Com atenção. Sinceramente.
Eu presente.
Com vontade de comer o bolo todo.
Era só olhos e boca e desejo
daquele bolo inteiro.
Minha irmã mais velha
Governava. Regrava.
Me dava uma fatia,
tão fina, tão delgada...
E fatias iguais às outras manas.
E que ninguém pedisse mais!
E o bolo inteiro,
quase intangível,
se guardava bem guardado,
com cuidado,
num armário, alto, fechado,
impossível.
Era aquilo, uma coisa de respeito.
Não pra ser comido
assim, sem mais nem menos.
Destinava-se às visitas da noite,
certas ou imprevistas.
Detestada da meninada.
(...)
Aquela gente antiga,
passadiça, era assim:
severa, ralhadeira.
Não poupava as crianças.
Mas, as visitas...
-Valha-me Deus!...
As visitas...
Como eram queridas,
recebidas, estimadas,
conceituadas, agradadas!
(...)
Eu fazia força de ficar acordada
esperando a descida certa
do bolo
encerrado no armário alto.
E quando este aparecia,
vencida pelo sono já dormia.
E sonhava com o imenso armário
cheio de grandes bolos
ao meu alcance.
De manhã cedo
quando acordava,
estremunhada,
com a boca amarga,
-ai de mim-
via com tristeza,
sobre a mesa:
xícaras sujas de café,
pontas queimadas de cigarro.
O prato vazio, onde esteve o bolo,
e um cheiro enjoado de rapé.
memórias
PRODUÇÃO TEXTUAL
5ª SÉRIE A
5ª SÉRIE B
6ª SÉRIE A
6ª SÉRIE C
RELEITURAS / 2008
Atividade proposta aos alunos do Ensino Fundamental:
6ª, 7ª e 8ª séries
A romã
A casa à beira da estrada, terra roxa, poeira no ar, clima de verão, em Goiás, tinha um ar irreal que contrastava com o verde do canavial, não fosse o rosado da romã guardada num canto do armário desgastado pela ação do tempo.
O táxi chega de repente. Tia Bárbara era elegante, lábios carnudos, rosados, roupas transparentes e decotadas, trazia um broche em forma de romã no peito, acho que era moda na Europa.
-Diamantes. Chegou Renato sorrindo, pele bronzeada, cabelos pretos, era um deles, tinha ar de superioridade. Deise queria que brincássemos, tínhamos outras coisas em mente.
Apesar de sem graça, das roupas cafonas, feitas por Lia, e cresci. De menina não tenho nada, quero viver cada etapa da vida. O amor é o valor da vida. Se não tiver amor, não é vida. Estava insegura, achei um escorpião no jardim, toquei fogo, gostaria de fazer assim com eles. Renato não me dava a mínima, só tinha olhos para tia Bárbara, sempre insinuante. Molhava os lábios com a língua, deitava na rede com o negligê preto, e o broche de romã no peito. Soltava os cabelos sedosos, que contrastava com o rosado da romã e se abanava com o leque japonês.
No jantar, tia Bárbara reclamou do calor, quase não comeu, logo se desculpou:
- Vou subir, estou com dor de cabeça, não gosto desse calor. Renato logo subiu, dizendo que ia dormir cedo, porque queria cavalgar pela manhã. Ele montava muito bem.
Fomos para a sala e, mal começamos a jogar dominó, houve um clarão e apagou a luz.
- Acho que queimou o fusível. Luana, - disse Deise -leve as velas pra tia Bárbara e não esqueça os fósforos.
Subi as escadas em meio ao clarão dos raios, de repente a porta se abriu pelo vento forte que fazia no corredor e vi dois corpos azuis rolando na cama, pra lá e pra cá, entrelaçados feitos as sementes da romã do broche de ta Bárbara. Senti as lágrimas rolando na face, a casa girando pra lá e pra cá, como os corpos entrelaçados, como o rosado da romã.
Não sei quantos dias passei no torpor entre a inconsciência e a realidade. No delírio via as chamas vermelhas, o escorpião girando, girando, o calor das mãos de Renato em mim, gostaria de dizer alguma coisa, mas não entendia o que falava.
Logo pela manhã, fiquei sabendo que ele fora embora. Eu sempre soube que seria assim. Tia Bárbara veio despedir-se:
-Ah! Vejo que já está boazinha. Não vou beijá-la, não quero pegar caxumba! Prendi a respiração para não sentir o seu perfume. Ela queria me dar o broche, eu disse:
- Obrigada, fica melhor em você e também não gosto de romã.
Tempos depois, recebemos a notícia da morte de Renato. Coitado, caiu do cavalo. Deise continuou às voltas com o crochê. Ah! E achou os óculos. Um dia desses me segredou que ficava excitada ao ver Renato cavalgando em pelo nas noites quentes de Goiás. Anjinho cego, heim?
Já faz tanto tempo, será que essas pessoas existiram?
Catarina Rodrigues da Silva - 6ª A
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Mandruvá
Tudo começou há quase quatro décadas. Morávamos em uma cidade pequena chamada Nova Olímpia no Estado do Paraná. Morávamos em um sítio, nossa agricultura era mamona, algodão, café e soja. No sítio havia um rio onde pegávamos água para beber e para o uso doméstico e também para dar aos animais, como os cavalos, porcos e aves. Éramos em sete pessoas: o pai, a mãe e cinco irmãos. O pai, meu irmão e minha irmã iam cedo para a roça e eu ficava para ajudar na lida da casa, até na hora do almoço. A mãe, os dois irmãos caçulas e eu íamos também, já levando o almoço e a água fresca na moringa para eles. Quando começávamos a andar pela estrada, eu já ficava inquieta, sé de imaginar que tinha de aguentar até a noitinha, quando eles parassem de trabalhar. Era como se eu já estivesse lá. O meu medo era tanto que eu andava com cuidado para não relar em nenhuma folha de mamona. Eu imaginava aqueles mandruvás em mim. Eles eram muito feios, eram grandes, gordos e horríveis. Na época, as mulheres falavam que o mandruvá assobiava para as meninas e moças e, quando isso acontecia, a moça ficava grávida de muitos mandruvás. Elas também falavam que quando as moças estavam menstruadas, os mandruvás colavam na pele da gente e a gente nem sentia. Quando meus irmãos dormiam, minha mãe mandava eu ajudar na colheita. Amarrávamos um balaio ou cesto na cintura. Então, fui debaixo dos pés de mamona, para colher os cachos. "Estão bem secas,então, vou acabar mais rápido", pensei comigo. É que o pé de mamona é o que tem mais lagartas ou mandruvás. Fui puxando o ponteiro para pegar o cacho, quando puxei um pé bem mais alto que eu, ao soltá-lo, com o balanço do galho, caíram dois mandruvás em mim. Um caiu na minha perna, perto do joelho, eu comecei a pular e gritar. - Mãe! Mãe! A mãe veio me ajudar. O mandruvá agarrou-se no pano e não caía e eu pulando e balançando as pernas, nem sabia que tinha outro nos meus cabelos e que caminhava em minha cabeça. Eu gritava: - Mãe! Tira! Tira! Ela falava para eu ficar quieta, queria que eu parasse de pular para ela tirar o que estava no cabelo. Foi quando senti um peso perto das sobrancelhas, como se estivesse escorregando para baixo, nessa hora a mãe gritou: - Fica quieta! É um mandruvá, ele vai cair na sua cara! Imagine o meu desespero, quase desmaiei de tanto medo que passei. Minha irmã ficava fazendo graça, fazendo rolinhos de folhas verdes e jogando em mim gritando: - Olha o bigato em você! Eu assustada, começava a gritar. Antes de dormir, minha mãe tinha de chacoalhar o lençol e mostrar-me que não tinha nada lá. Hoje não tenho medo, só sinto uma gastura quando vejo esses bichos molengos se mexendo.
Maria Aparecida Munhoz Cardoso - 7ª A
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Os burros vão e voltam
Tio Gumercindo adorava sair para dançar. Todos os finais de semana, ia para acidade um pouco distante de sua casa, dançava toda a noite num dos bailes que lá acontecia. Quando ele chegava, seus colegas logo diziam: -Chegou tio Gumercindo, o melhor dançarino da noite. E ele dançava com todas as damas que encontrava no salão. Foi depois de um desses bailes, quando ele voltava muito cansado, pois dançar a noite toda com todas as damas não é fácil, não é? Tio Gumercindo perdera as companhias com as quais voltava para casa, ele teria de andar vários quilômetros de distância, pois não tinha nenhum meio de transporte. Depois de muitos passos percorridos por aquela estrada tão deserta, ele avistou um burrinho que ali pastava. Aproximou- -se do animal, percebeu que era manso, não pensou duas vezes, pegou uma carona no lombo do animal. -Que maravilha! Não vou precisar voltar pra casa andando - disse tio Gumercindo. O burrinho marchava, marchava, parecia conhecer o caminho. Foram muitos quilômetros percorridos com o homem nas costas, já estavam quase chegando, quando o animal assustou--se com alguma coisa que fez barulho à beira do caminho, então, ele começou a galopar, porém, em sentido contrário, voltando à cidade. Tio Gumercindo ficou assustado, começou a dizer: -Psiu,psiu! E repetiu por várias vezes, mas nada adiantava, quando o burro resolveu parar, já tinham retornado ao local de onde partiram. Tio Gumercindo, muito furioso, não teve outra escolha, voltou a pé, deixando o burro no mesmo lugar a pastar.
Adnilson Hibner Lázaro - 7ªA
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As uvas
Eu era tão pequena que às vezes me parece que tudo foi um sonho e que as pessoas eu jamais conheci. Na década de 20 em meio ao glamour da época, eu era apenas uma menina que se atraía pelo perigo. Em nossa casa no interior de São Paulo tudo era calmo, a não ser no domingo quando o tio levava Susan e eu para as regatas de barcos. Foi em meio a uma regata empolgante, que Alexandre chegou despertando olhares. O tio apresentou Alexendre como nosso primo do Rio de Janeiro. Ele era diferente, refinado e com ar de galã. Ao chegarmos em casa, para nossa surpresa, ele ia ficar conosco. O tio foi apresentá-lo ao resto da família. Eu confessei a Susan que ele me encantou. Ela nem me deu atenção e, calma, retirava seu broche de uvas que havia herdado de sua mãe que já falecera. Depois disso ela e o tio vieram morar em nossa casa. Alexandre era tão aventureiro e destemido e sabia envolver as pessoas. O tio dizia que por isso ele se envolveu em confusão e teve de vir para São Paulo. Eu não sei como, mas, sem perceber, me envolvi com Alexandre. Susan me recriminava, dizendo que, quando o tio descobrisse, ia dar a maior confusão, mas o que eu podia fazer, ele me fascinava. Eu e Alexandre saíamos esscondidos e Susan sempre nos ajudava. O tio começou a desconfiar de nossas desculpas esfarrapadas, ficou mais difícil de nós sairmos. Susan sempre ia ao jóquei, pois isso a fazia se lembrar da mãe, às vezes, era tão irritante que acho que só quem a suportava eram suas uvas. Alexandre era muito misterioso, às vezes, sumia sem que percebêssemos. No sábado pela manhã, chegou uma carta do Rio de Janeiro que deveria ser entregue urgente para Alexandre. Aproveitei para procurá-lo e descobrir para onde ia quando sumia. Procurei por Susan mas ela havia saído. Procurei por toda a cidade, até que um empregado de nossa casa disse que a viu perto do jóquei. Fui até lá, procurei por toda parte, já estva desistindo, quando me lembrei de um casebre. Olhei pela fenda do casebre e vi, para o meu desespero, Alexandre e uma menina juntos, fiquei tão atordoada que não consegui ver o rosto da menina, a não ser por um broche de uvas que estava no chão, isso a denunciou: era Susan. Cheguei em casa, entreguei a carta para o tio e disse que não encontrara Alexandre. A carta dizia que o pai de Alexandre havia falecido. Quando leu, partiu imediatamente. Ele até que tentou se despedir, mas eu fugi. Fiquei vários meses estranha com Susan, ela não sabia por que. Planejava um jeito de me vingar pela sua traição. Certa noite, levantei, peguei as suas uvas, despedacei-as e coloquei-as em frente a foto de sua mãe. Susan nunca mais foi a mesma sem as suas uvas. De Alexandre nunca mais tive notícia, dizem que ele se endireitou com o falecimento de seu pai. Eu, porém, fiquei só.
Maytê Santana de Souza - 8ªA
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As maçãs
Não sei se estes fatos realmente aconteceram. Podem ter sido apenas um sonho. Titia sempre nervosa com suas tarefas a fazer, sempre de cá para lá e de lá para cá. "Vocês não vão se banhar?" "Está na hora do jantar." Papai sempre sentado ao sofá lendo seu costumeiro jornal. "Sempre a mesma coisa, políticos que querem mostrar serviço e desfecho de novelas". Prima Lígia sempre sorridente agora com o olhar de tristeza ao ver que suas maçãs se deterioravam com o tempo. "Não me canso de olhá-las". A casa, antes em meio a um pomar lindo e viçoso, não restou mais nada. Só as maçãs. Chegou de supetão, sem nos comunicar. -É prima Lígia - disse titia! Filha do irmão de papai. Ela adorava plantações, principalmente pomares. Ali não havia mais nada além de maçãs, tudo que ela mais desejava e admirava. -Resolvi ficar, não quero outra coisa para a minha vida - disse prima Lígia à titia. Até que certo dia veio uma onda de pragas, não ficou uma só folha no lugar. -Foi uma desgraça - disse titia a papai. -Nunca imaginei que Lígia gostasse tanto desse pomar. -Quem poderia imaginar que isso a traria tanto desgosto. Os tempos ruins passaram, o pomar voltou a florescer e lá estavam novamente elas: as maçãs. Lindas, brilhantes e vermelhas como nunca se havia visto antes. -Pena que Lígia não está aqui para ver tamanha beleza - disse papai. -Mas sei que nunca esqueceremos dela pois o pomar está lindo como jamais ninguém veria outro - falei a papai. E assim se repetiu ano após ano: lindas maçãs, talvez as mais belas do mundo.
Andréia Guimarães - 8ªA
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A boneca
Quando eu era criança de sete a oito anos de idade, adorava brincar de boneca com as minhas primas porque eu não tinha brinquedos e muito menos bonecas. O meu pai era jardineiro mas há quatro anos estava desempregado. Era natal e eu pedi uma boneca para minha mãe. Ela, muito triste, falou: -Filha, me desculpe, mas não temos dinheiro nem mesmo para comprar o que comer, por isso ainda não podemos comprar a sua boneca. Mas, quando seu pai arrumar trabalho, quem sabe... Os meus olhos se encheram de lágrimas pois se passava mais um natal sem minha boneca. Um certo dia o meu pai saiu para procurar emprego e me convidou para ir com ele. Estávamos passando em frente a uma casa muito grande e bonita, foi aí que vimos sair dessa linda casa uma senhora e uma criança mais ou menos de minha idade com uma caixa cheia de brinquedos provavelmente quebrados. Chegamos mais próximos e meu pai perguntou à mulher: -Senhora, esses brinquedos vão ser jogados fora? A senhora, muito educada, disse: -Sim! Pois minha filha enjoou dos brinquedos e vamos comprar todos novos. Meu pai perguntou: -Posso levar para minha filha, pois estou desempregado e mal posso comprar arroz e feijão para comer. A bondosa mulher perguntou para ele: -Qual é a sua profissão? Ele respondeu: -Jardineiro. Ela chamou o meu pai, deu-lhe alimentos, roupas e ainda lhe deu emprego na linda casa. Quando cheguei em casa com a caixa de brinquedos, tirei todos. Quando de repente já no final encontrei uma boneca, a emoção fez meu coração pular e meus olhos choraram de alegria, pois eu tinha encontrado a minha tão sonhada boneca no meio de tantos brinquedos. Hoje eu tenho 22 anos, sou professora, casei e tenho uma filha de quatro aninhos e o brinquedo preferido dela é a minha boneca que se chama Vitória. Quanto a minhas primas que brincavam comigo de boneca, hoje são todas bem de vida como sempre, mas nenhuma delas tiveram uma boneca tão especial quanto a minha. Ah! A minha filha também se chama Vitória em homenagem a minha boneca.
Maria Amorim Pena - 7ªA